sexta-feira, dezembro 01, 2006

4. O CAFÉ É UMA CASA DE HÁBITOS



Esperava encontrar-te por aqui um dia destes. Inesperadamente, já que tu não disseste que vinhas. Pelo contrário, até afirmaste que antes do dia 10 seria difícil, mas quem sabe? Saudades? Não te tenho visto.
Eu continuo a aparecer, ou não fosse esta uma espécie de minha segunda casa. Nestes dias, logo ao entrar tenho pensado que a instituição “café” é realmente um local estranho. “Este” café. Não o café onde se vai uma vez por acaso, porque estamos de passagem e nos apetece uma bica ou um cimbalino. Esse é o “café expresso”, onde se vai expressamente para uma necessidade precisa, onde se toma o café ou a Coca Cola, onde se come quando se tem fome, ou onde se lê o jornal do dia quando se está cansado de visitar monumentos. São os cafés que ficam longe de casa, longe do nosso bairro, longe da nossa cidade, longe do nosso país. Tenho descoberto cafés fantásticos. Muitos, tenho até fotografado. Imagine-se a fixação em cafés que até pensei fazer uma exposição de fotografias dos cafés que fui visitando e fotografando ao longo dos anos. Infelizmente, ao longo dos últimos três ou quatro anos, pois a ideia surgiu tardiamente. E como quase nunca ando com a máquina, não são muitos, mas são já bastantes.
Há, portanto, o café ocasional, pode até haver o café sazonal (todas as vezes, ou quase, que vou ao Porto, não deixo de fazer uma visita ao “Magestic”, por exemplo!), mas há o fiel café de todos os dias, onde não vamos apenas porque queremos tomar a bica, mas porque a ida a esse café se tornou um hábito, uma necessidade em si mesma.
Um café pode ser mágico, surpreendente, vistoso, bonito, mortiço, pode ir de uma quase taberna a um restaurante de luxo, pode ser acolhedor ou inóspito, pode ser mais leitaria ou mais cervejaria, pode ser um pouco de tudo. O que quer que ele seja, tem os seus frequentadores habituais. Para muitos é simplesmente um imperativo, uma sujeição, um destino, está ali, mesmo ao dobrar da esquina, é o único que se vê nos quinhentos metros mais próximos e acostumamo-nos. “Olá, Senhor José, é a biquinha do costume, com um copo de água bem fresquinha!” Toma-se ao balcão, quando se sai a correr para o emprego, ou na mesa, quando se chega cansado do trabalho, dura trinta segundos de um trago que se engole, paga, e se guarda quente na garganta durante mais algum tempo, ou toma-se pausada, pela tarde adiante do reformado que tem mesa reservada e nela passa a arrastada solidão do fim do dia.
No meu café há de tudo, por camadas horárias. O dia divide-se em estratos. Logo pela manhã entram aos bandos, em revoadas, os executivos, os bancários, as meninas das lojas, os empregados dos serviços, os estudantes da escola mais perto, ou da Universidade mais longínqua, tomam o pequeno almoço, compram o jornal, quase tudo a correr, uma olhadela nas noticias, enquanto se mastiga o croissant, se bebe o galão, o café, num caso ou noutro se emborca a primeira “bejeca” quando há “obras” por perto (antigamente, era o copo de três, tinto, para dar forças para a jornada).
Lá pelas 10 horas, estendendo-se até quase ao meio dia, aparecem “as donas de casa”, em bando também, mas estes são bandos fixos, de residentes, que se instalam em várias mesas, que juntam, e por ali ficam a comentar as últimas da (ou das) telenovela vista na noite anterior, o “big brother” ou coisa equivalente, ou o caso de fulana de tal que fugiu de casa, o filho da sicrano que se mete na droga, foi apanhado a roubar as pratas da avó, o marido da y que tem uma amante, ou foi promovido, reformado ou morreu, “coitado, estava sentado na sala, a ler, quando a Júlia o foi encontrar já estava roxinho…”
Assim vamos até à hora de almoço, onde as senhoras saem para ir ultimar as suas refeições, em casa, e entram no café, novas revoadas, os executivos, os bancários, as meninas das lojas, os empregados dos serviços, que se instalam ao balcão a devorar “doses” ou se dispersam pelas mesas a degustar refeiçõezinhas. Não, não estamos no Norte, são mesmo refeiçõezinhas, alegremente regadas com cerveja, vinho, refrigerantes ou água e ainda conversas sobre política, ordenados, futebol, uma ou outra questão pendente no escritório. São bancários, arquitectos, pessoal da TAP, advogados, empregados avulsos…
Os almoços estendem-se da uma até hora indeterminada, dado que há sempre os retardatários, como eu, que tanto aparecem uns dias à uma outros às três, às quatro, tanto comem uma refeição completa, como dois croquetes e uma coca cola, tanto ficam uma hora na mesa como cinco minutos ao balcão.


Depois, lá vem a tarde que se estende sorna, com os habituais fregueses a prolongarem o almoço até às quinhentas, primeiro o jornal da casa, depois o desportivo, um whisky, mais uma conversa, a análise detalhada da facturação dos bancos, mais um descafeinado, o totoloto, depois escrever umas notas num papel amarrotado, a ida à casa de banho, cumprimentando todos os restantes frequentadores, voltar a sentar na mesa… e assim se passa mais uma tarde, “esta é a minha casa, sabe?, não tenho onde ficar, não quero estar sozinho em casa, venho para aqui, sempre vou vendo gente, conversando, distraindo-me.”
São alguns, todos com os mesmos motivos, criam um campo de papoilas mortiças disperso pelas mesas do café: uma aqui, atrás do vidro da fachada, outra no meio da sala, na passagem, para todos o terem de saudar, uma mais envergonhada encostada à parede da sala do fundo, uma virada para a parede, passando a tarde concentrado na resma de jornais que trás consigo, são cabeças de papoilas grisalhas, que esvoaçam à passagem de quem entra e sai.
Ao fim da tarde, era costume aparecerem alguns dos que vieram almoçar, tomar uma cerveja para o caminho, e dar ainda uns dedos de conversa, agora todos a segurar o balcão. Combinavam-se até engates para a noite, depois “dos copos e das boites”. Mas é moda que está a mudar. Ao jantar a frequência é rara, e depois de jantar há grupos muitos característicos de antigos frequentadores que se reúnem para uma conversa-recordação-de-outros-tempos, com uns charros à mistura, coisa pequena, que deixam o seu perfume pelas redondezas. Quando o café fecha, perto das onze da noite, é hora de dormir para uns, de caminhar para as discotecas, para outros, de passear o cão, para a loura quarentona que mora por detrás do café, e de um ou outro casal dar livre curso à sua discreta paixão.
Um café
é casa de hábitos. Todos aqui vêm recuperar algo que não querem perder. A felicidade de um encontro que não volta mais, a emoção de um amor, a intensidade de uma paixão, a fogosidade da juventude, o tempo em que se era ou o tempo em que se há-de ser, o primeiro cigarro, o primeiro namoro, a primeira foda num carro, as sessões de estudo para as aulas e os exames, os poemas da juventudes e as crónicas da maturidade, a primeira piela de caixão à cova, as primeiras conversas de reviralho, as trocas de impressões sobre livros e filmes, logo no calor do depois de ler ou ver, os amigos, sim os amigos, os que ainda aparecem, os que já desaparecem, a saudade, a sensação de afirmação, ainda cá estou, ainda sobrevivo, sou eu, hei!, estou aqui no café…
Hábitos: cada um procura o “seu” lugar que conquistou pela antiguidade. Cada um já sabe ao que vem, o empregado nem espera para tirar a bica, ir buscar os jornais reservados, pedir o bacalhau do dia ou o arroz de pato. “Cá está, Senhor Fonseca, o seu bacalhauzinho!” E quando um estranho, um “bárbaro” se aproxima, logo se defende o terreno: “Essa mesa não pode ser, está reservada para a D.ª Dulce!”. É assim o café. “Reservado o direito de admissão”.
LA

24 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

Boa noite :)))) L.A.

hábitos???? ando longe deles...
mas volto sim. volto lá para os lados do dia 10....para tomar um café de silabas e um lanche de parágrafos....


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achas que posso deixar um beijo sem que chovam "críticas"????


deixo.

Lauro António disse...

Bem aparecida. Criticas? Não ligo a
quem não merece que se lhe ligue... Deixa os beijos todos. E anda vavadiar.

inominável disse...

assim de repente, num lugar muito comum porque ainda não em ocorrem muitas palavras, apetece-me dizer que este blogue me faz lembrar "Coffe and Cigarrettes" do Jim J. (o apelido é difícil de escrever e nunca me sai bem).

prometo voltar para opiniões mais fundamentadas...

Bandida disse...

...de hábitos particularmente únicos...




sempre.




beijo. (por este não deve haver crítica...):))
___________________

Lauro António disse...

Bom, mas quem crítica o quê e quem, como e quando? São capazes de explicar? E quando é que eu volto a ter parceira? Anda toda a gente a fugir com medo das "críticas"? lol Bandidas, nao fujam! Beijos. LA

Bandida disse...

:)))


eu não fujo...




beijossssssssssss
_______________________

Lauro António disse...

Bandidas assim, valem a pena! Há tanta gente a fugir por questões de somenos...! Beijos.

isabel mendes ferreira disse...

eu tb não fujo...sou um pouco como a minha amiga Bandida...:))))

____________apareço. em bangs bangs
mas hei de reaparecer...

é uma promessa. Lauro.


b e i j o s!!!!!!!!!

Art&Tal disse...

e porque raio nao posso manifestar afecto pelas coisas doces?

cafes...

porque nao me lembrei eu antes.

cafes, cigarrilhas... litros delas toneladas e olhos em tudo o que entra e sai. rabiscar nos cantos... nos espaços brancos
gastar guardanapos ao gajo.

nada melhor... as melhores ideias.

Bandida disse...

Mordo a cigarrilha. lá pelo café...



alguém me dá lume?...



gastei o isqueiro...

em deambulações bandidas. vadiando em arrasos de música.


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Anónimo disse...

menino L.A....é muito Cusca não é????

(sorriso)..
então a querer saber quem é a Bandida..:))))


____________gostei!


beijo.



_________Piano, em pianíssimo_______

Lauro António disse...

Ai, Piano em pianíssimo, a falta que me estás a fazer.
Eu não sou cusco, sou a cusquice em pessoa. E quando se trata de "bandidas"!
Agora a sério: nunca mais vens tomar café comigo? Deixas-me assim, isolado, numa mesa de café? Ao sabor das recordações? (Acho que vou fazer um post a começar assim!). Beijos (alegro, ma non tropo!)

axadresado disse...

fica combinado um café sw palavras no Vá-Vá.
lindo cantinho este.
bjs

Bandida disse...

... á espera...

do texto.


Há espera?!...



Até já!
____________________________

Bandida disse...

melhor... à...






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Lauro António disse...

Há espera ou à espera? convém saber!
Se há espera, há forcados! Se à espera, quem está de quê?

isabel mendes ferreira disse...

ordem à mesa do café....

(À espera...)
:))))

__________e o axadresado é meu amigo...ihihiih...
_____________

pois bem amiguinhos L.A e Band. esperem...que eu tb espero o texto do cineasta...

pumba!

beijos....

om café negro e quentíssimo.

Bandida disse...

...

:)))


à espera do desejado texto...

Assim sendo, há espera...(alguma)


beijo.
_____________________

* disse...

ganda texto isso não tem um resumo??

gostei desta ideia dos cafés e das fotografias, também tenho essa tentação mas dá trabalho e nas vistas tirar fotografias no café... odeio que adivinhem o que quero pedir por isso evito ir sempre ao mesmo :-)

* disse...

ai a moderação de comentários...e agora se dei erros???

bem não venho cá verificar, corrige-os tu!!!

Lauro António disse...

A Claudia Sousa Dias, do http://www.hasempreumlivro.blogspot.com
escreveu e eu recusei sem querer. Aqui fica com as desculpas e um beijo.
Claudia: Como eu o compreendo, ao não resistir percorrer Sta Catarina, sem entrar no Majestic. Será correcto chamar-lhe café? Não sei sinceramente. Tenho as minhas dúvidas! É didícil encontrar um "café" onde nos abram a porta com tanta cordialidade, e onde possamos beber um chá¡ num serviço de porcelana... Este sim, é um bom hábito! Talvez não tão frequente como o café depois do almoço, mas muito mais inspirador!

Beijo

Anónimo disse...

Lamento informar, mas enganou-se outra vez! Fiquemos pela Claudia só. E não me altere o nome do blog por favor! Para Sempre, diz-me tanto, como já percebeu!!!

Beijo e desculpas mais que aceites!

teresamaremar disse...

Este discorrer trouxe-me uma estada em Salzburgo, três semanas sozinha, onde, todos os fins de tarde os passava ora no Café Tomasetti (creio ser este o nome) ora num outro, esse à laia de salão de chá, no Hotel Sacher. Fantásticos ambos.
Trouxe-me, ainda, os cafés de Paris, sempre, de marquise a ficar a ver, a cidade a desfilar.
E, ainda ainda, os de Buenos Aires, fantásticos, a cheirarem a Majestic. Lembro de, no Tortoni, porque a placa não coincidia com a indicação no guia turístico, de haver perguntado ao empregado qual era a mesa do Borges, e de este me ter respondido que o Borges era grande demais para ter uma só mesa :), e depois, sorrindo me haver indicado duas, antes e pós cegueira, quando se quis mais resguardado.
Este texto contém, ainda, uma outra afinidade, coisa que, também, só há poucos anos lembrei. Diz, aqui, dos cafés não fotografados, pois eu só há uns anitos me lembrei de trazer um frasquinho de areia de todos os lugares por onde passei. E como lamento tê-lo lembrado tão tarde.

Parabéns pelo texto :)

Claudia Sousa Dias disse...

Bom só agora descobri o post a falar de mim!


Gostei do texto que parece ter sido escrito por um antrpossociólogo!

Beijos

CSD